Sunday, November 11, 2007

Como eu evitava a violência.


Testemunho verídico de Ana Maria Pires
São caras apenas, olhos profundos com olhar de esguelha. Pessoas, a quem chamam de adultos e não sabemos porquê…… apenas estamos a crescer e dizem-nos que temos que comer e beber muito leite.

Eu era pequena, nunca fui alta, muito bonita e branquinha. Parecia uma boneca com caracóis.

Eu nasci no ano de 1955, tinha a minha mãe 40 anos.

O meu pai batia na minha mãe. Eu não sabia porquê, mas tinha que chorar…se chorasse ele não lhe fazia mal.

Meu irmão, com menos dois anos, nunca se apercebeu da situação.

Assim, sentia a responsabilidade de tomar conta da minha mãe, apesar ser de uma criança. Não dormia enquanto não ouvisse o meu pai ressonar, pois tinha medo do que ele pudesse fazer à minha mãe.

Ai…que aperto no coração!

Para livrar a minha mãe dos maus-tratos que o meu pai lhe dava, sempre que sentia que ele estava a incomodá-la, levanta-me, ia a cozinha, fingia que vomitava e gritava:

- Oh mãeeee…..!

Minha mãe respondia:

- Que foi?

Eu implorava com voz chorosa:

- Faz-me um chá mãe, dói-me a barriga...

Ouvia o meu pai resmungar e lá aparecia a minha mãe, pequenina como era, corada, e com olhos de choro. Ele bateu-lhe enquanto ela estava na cama, pensava eu. Então empatava a minha mãe até o ouvir ressonar profundamente, e finalmente ia para a cama.

O problema era quando sucumbia ao cansaço e acordava com ela ao lado da minha cama, em cima do casaco grosso, verde-escuro. Era um casaco que a minha tia lhe tinha mandado do Canadá juntamente com um volume grande de roupa para nós.

Dia após dia, vivi esta cena e aprendi a chorar quando queria.

Maldito vinho, pensava eu. E assim passei a odiar o vinho de cor até hoje, tendo sido abstémica durante muitos anos.

- Mãe, vamos para Pedras Salgadas, implorava. Tens lá família e a casa da avó e nós portamo-nos bem.

Ela respondia:

- Não posso. Tenho vergonha da minha família. És pequenina, mas um dia vais compreender o porquê.

Por vezes, o meu pai sob a influência do álcool começava a bater na minha mãe e eu agarrava no meu banquinho de madeira, que também servia para o meu Altar de Sto. António, punha-me em cima dele, chegava ao fecho da porta e gritava:

- D. BÁRBARA ACUDAAAAA.

A D. Bárbara era uma vizinha que vivia ao nosso lado e acudia várias vezes quando eu gritava por ajuda.

Ela vinha, fechava-se com a minha mãe no quarto e quando saia, a minha mãe já estava melhor. Deve ter estado a desabafar, pensava eu.

Minha mãe resmingava que os filhos deviam ter respeito pelos pais e que não se devia dar muitos mimos pois assim as crianças ficariam estragadas. Assim, vivi um pouco há margem de carinhos e contactos fisicos, nada de festas, nada de beijos.

Meu pai, embrutecido pelo alcool, soldador de navios de profissão, era um homem que só frequentava a casa para comer. Não nos olhava muito, e vivia na taberna com os amigos, mas aos filhos não tratava mal e eu era a menina. Se a minha mãe precisasse de alguma coisa, eu pedia que ele dava.


Aos 15 anos, a minha mãe e a D. Bárbara (a vizinha) arranjaram-me um bom partido para casar, pensavam elas.

Tinha uma arca de enxoval, serviço militar cumprido, e trabalhava num Banco, ou seja, um bom ordenado. Era um homem robusto sem doenças, podia tomar conta de mim e adorava-me apesar de só me ter visto uma vez.

Arranjei coragem e disse à minha mãe que não aguentava que ele me desse a mão.

- Mãe, por favor não me obrigues a ter que namorar esse homem e casar. Sou muito nova e quero estudar.

A minha mãe ficou preocupada pois não queria magoar a D. Bárbara, mas depois de muito pensar no assunto, arranjou uma boa desculpa e libertou-me do compromisso. Fiquei aliviada e respirei de alívio.

Apaixonei-me por um rapaz da minha idade. Espreitava-o através do vidro da janela quando ele regressava da escola. Quando ele passava o meu coração batia desenfreadamente. Ele iria ser o meu marido para toda a vida.



Sugere-se que leia o livro
"
Resolver Traumas (com o passado)"
A propósito de alcoolismo ler o Tema 11 - Abusos
(4) Vícios sociais (... alcoolismo...)
de Alexandra Caracol
Para ler mais testemunhos da vida real
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