Friday, May 23, 2008

Violência doméstica e o bastonário

Maria, Filomena Neto *
As vítimas de violência doméstica encontram-se sempre em situação de sofrimento e, consequentemente, grande fragilidade emocional e evidenciando solidão, medo, baixa auto-estima.Por estas razões, são facilmente manipuláveis e alvos fáceis de coacção psicológica.Olhemos para a situação de Isabel, casada com José há seis anos, que - há cerca de três - tem vindo a sofrer maus-tratos físicos e psicológicos. Isabel tem dois filhos (15 meses e quatro anos e meio) e aufere um vencimento de 450 eurosmensais.Em Maio de 2008, Isabel decide, finalmente, apresentar queixa contra José por violência doméstica.Uma vez apresentada a queixa, a eventual desistência que Isabel venha a apresentar no futuro não tem qualquer efeito no normal desenvolvimento do processo.Se - tal como defende o bastonário da Ordem dos Advogados - o crime de violência doméstica não fosse públicoConhecedor da apresentação da queixa, José apenas teria de convencer Isabel a desistir dela, para - sem mais incómodos - sair absolutamente impune.As formas de "convencer" a vítima são inúmeras e podem variar entre o insulto, a ameaça de novas e mais graves agressões, a coacção ("vais morar para a rua porque eu deixo de pagar a casa", "nunca mais te deixo ver os teus filhos", "acabo contigo"), e até mesmo o "namoro" ("eu só fiz isto porque andava desorientado com os problemas no trabalho", "tens toda a razão, mas sabes bem que és a mulher da minha vida e eu só te bato quando bebo", "foi só por gostar tanto de ti que perdi as estribeiras".Pode mesmo chegar à situação de agredir novamente a vítima, conduzi-la à urgência para que lhe sejam prestados os necessários cuidados médicos, "apenas" com a prévia advertência "é só para aprenderes de uma vez por todas quem manda e se disseres que fui eu, para a próxima, levo--te ao cemitério".A atribuição de natureza pública ao crime de violência doméstica não acabará, por si só, com a sua prática, mas, indiscutivelmente, oferece melhor protecção às vítimas e diminui o sentimento de impunidade do agressor.Por outro lado, constitui a forma mais adequada à realização dos objectivos de prevenção, quer geral quer especial, pretendidos com a incriminação destas condutas.Parece ser outro o entendimento do bastonário da OA para quem esta opção legal não passará de um "certo fundamentalismo" e de "um feminismo exacerbado" nas leis."A vítima não quer justiça, quer vingança", terá, ainda, acrescentado.E se, afinal, estas declarações não passarem de um "certo" e "entranhado" desconhecimento do bastonário da OA sobre a real dimensão das consequências pessoais, sociais e económicas da violência doméstica?* Advogada, coordenadora do Departamento de Direito Civil e de Direito da Família da JPAB - José Pedro Aguiar-Branco & Associados