Monday, October 19, 2009

Redução passa por envolver escolas, igrejas e até cabeleireiros

por Sílvia Maia, Lusa


A redução dos casos de violência doméstica passa por programas curriculares nas escolas e conversas nas igrejas e até nos cabeleireiros de bairro, defende uma especialista norte-americana, que apela às vítimas que contem as suas histórias, sem vergonha.
Em entrevista à agência Lusa, Susie Johnson falou da longa experiência dos Estados Unidos no combate à violência doméstica, um crime que tem obrigado 16 mil mulheres a procurar diariamente serviços de apoio e 24 mil mães e crianças a saírem de casa à procura de um abrigo.
Em Portugal, a violência doméstica leva todos os dias mais de 70 mulheres às esquadras da PSP e GNR. Mas muitas outras continuam a viver em silêncio um crime cujos efeitos psicológicos só "são comparados aos de um atentado terrorista", compara a presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Teresa Féria.
Para Susie Johnson, que esteve em Portugal para participar num colóquio organizado pela Escola Superior de Enfermagem, em Lisboa, as leis "já estão todas escritas", agora é preciso alterar mentalidades. E esse trabalho tem de ser feito com a ajuda das vítimas.
"As mulheres têm de deixar de ter vergonha, porque não é culpa delas terem sido vítimas de violência doméstica. Têm de se levantar e dizer publicamente 'eu fui violentada', para que outras mulheres sintam segurança em fazer o mesmo", defende.
"Nós sabemos que contar as histórias ajuda outras mulheres, porque há uma identificação. As vítimas são grandes especialistas nesta matéria e devem estar envolvidas nos programas para que se tornem mais eficazes. Não basta falar com estudiosos e especialistas das universidades", destaca.
Mas para isso acontecer é preciso que a sociedade perceba que a culpa não é da vítima. É preciso transformar as normas culturais, porque são elas que aprisionam as mulheres.
Nos Estados Unidos, existem programas curriculares que já tratam a questão da violência. "Temos de começar pelas crianças. Nas escolas, as raparigas aprendem a respeitar-se e os rapazes aprendem o que é ser um homem, para lhes mudar as definições sobre autoridade, as normas que definem o papel da mulher e as expectativas. Desde pequenos aprendem o significado do que significa viver num mundo sem violência", exemplifica Susie Johnson.

Mas não é só nas escolas que se deve trabalhar. "Nas igrejas, nos cabeleireiros, em reuniões com pequenos grupos de mulheres, toda a comunidade tem de se envolver, porque esta não é uma questão do domínio privado da mulher mas sim de todos", realça.
Susie Johnson lembra que é necessário haver "condições que permitam às mulheres ter liberdade para reportar o abuso com a certeza de que quando o fazem existem sistemas e espaços que garantam a sua segurança e a das crianças".

Em Portugal existem mais de três dezenas de casas-abrigo, mas as instituições reconhecem que esta solução só é proposta em situações extremas.
Nos encontros com responsáveis que lidam com a violência doméstica, Susie Johnson avaliou que "as organizações respondem lindamente aos problemas, mas ainda estão no início".
"Para reduzir os números de maus-tratos e reduzir os casos de mulheres que denunciam os crimes e se transformam em números de homicídios, é preciso trabalhar para salvar vidas. É preciso apostar na prevenção para mudar os números horríficos, que são uma realidade que tem de parar de crescer", aconselha.
De acordo com a especialista, nos EUA a cada 14 segundos uma mulher faz uma chamada para um número de ajuda e uma em cada três mulheres que vão parar às urgências foram vítimas de violência doméstica.
Em Portugal os números sobre homicídios são díspares. Dados do último relatório do Ministério da Administração Interna falam em pouco mais de 20 mortes no ano passado, enquanto a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) garante que pelo menos o dobro das mulheres passou a fazer parte das estatísticas dos homicídios no país, ou seja, mais de 40.
Susie Johnson deixou um alerta: "Uma em cada três mulheres é vítima de violência ao longo da sua vida, mas apenas metade denuncia a situação."

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